Cidade do Vaticano
(RV) – A Sala de Imprensa da Santa Sé apresentou na manhã de
sexta-feira, 14 de dezembro, a Mensagem de Bento XVI para o Dia Mundial da Paz,
que será celebrado em 1º de janeiro de 2013.

“Bem-aventurados os
obreiros da paz” é o tema da Mensagem, em que o Papa pede “um renovado e
concorde empenho na busca do bem comum, do desenvolvimento de todo o homem e do
homem todo”.
A realidade do nosso tempo, afirma o Pontífice, é
caracterizada ainda por sangrentos conflitos e por ameaças de guerra: “Causam
apreensão os focos de tensão e conflito causados por crescentes desigualdades
entre ricos e pobres, pelo predomínio duma mentalidade egoísta e individualista
que se exprime inclusivamente por um capitalismo financeiro desregrado. Além de
variadas formas de terrorismo e criminalidade internacional, põem em perigo a
paz aqueles fundamentalismos e fanatismos que distorcem a verdadeira natureza da
religião”.
Mesmo assim, analisa o Papa, o mundo é rico de inúmeras obras
de paz, porque o homem, na verdade, é feito para a paz, que é dom de
Deus.
Dividida em sete pontos, a Mensagem de Bento XVI se inspirou nas
palavras de Jesus Cristo: «Bem--aventurados os obreiros da paz, porque serão
chamados filhos de Deus» (Mt 5, 9).
Para nos tornarmos autênticos agentes
de paz, escreve o Papa, são fundamentais a atenção à dimensão transcendente e o
diálogo constante com Deus: “Assim o homem pode vencer aquele germe de
obscurecimento e negação da paz que é o pecado em todas as suas formas: egoísmo
e violência, avidez e desejo de poder e domínio, intolerância, ódio e estruturas
injustas”.
Neste contexto, o Pontífice recorda a oração com que se pede a
Deus para fazer de nós instrumentos da sua paz, a fim de levar o seu amor onde
há ódio, o seu perdão onde há ofensa, a verdadeira fé onde há
dúvida.
Leia a seguir a íntegra da Mensagem:
DIA MUNDIAL DA PAZ
1º DE
JANEIRO DE 2013
BEM-AVENTURADOS OS OBREIROS DA PAZ
1. Cada ano novo traz consigo a expectativa
de um mundo melhor. Nesta perspectiva, peço a Deus, Pai da humanidade, que nos
conceda a concórdia e a paz a fim de que possam tornar-se realidade, para todos,
as aspirações duma vida feliz e próspera.
À distância de 50 anos do início do
Concílio Vaticano II, que permitiu dar mais força à missão da Igreja no mundo,
anima constatar como os cristãos, Povo de Deus em comunhão com Ele e caminhando
entre os homens, se comprometem na história compartilhando alegrias e
esperanças, tristezas e angústias, anunciando a salvação de Cristo e promovendo
a paz para todos.
Na realidade o nosso tempo, caracterizado pela
globalização, com seus aspectos positivos e negativos, e também por sangrentos
conflitos ainda em curso e por ameaças de guerra, requer um renovado e concorde
empenho na busca do bem comum, do desenvolvimento de todo o homem e do homem
todo.
Causam apreensão os focos de tensão e conflito causados por crescentes
desigualdades entre ricos e pobres, pelo predomínio duma mentalidade egoísta e
individualista que se exprime inclusivamente por um capitalismo financeiro
desregrado. Além de variadas formas de terrorismo e criminalidade internacional,
põem em perigo a paz aqueles fundamentalismos e fanatismos que distorcem a
verdadeira natureza da religião, chamada a favorecer a comunhão e a
reconciliação entre os homens.
E no entanto as inúmeras obras de paz, de que
é rico o mundo, testemunham a vocação natural da humanidade à paz. Em cada
pessoa, o desejo de paz é uma aspiração essencial e coincide, de certo modo, com
o anelo por uma vida humana plena, feliz e bem sucedida. Por outras palavras, o
desejo de paz corresponde a um princípio moral fundamental, ou seja, ao
dever-direito de um desenvolvimento integral, social, comunitário, e isto faz
parte dos desígnios que Deus tem para o homem. Na verdade, o homem é feito para
a paz, que é dom de Deus.
Tudo isso me sugeriu buscar inspiração, para esta
Mensagem, às palavras de Jesus Cristo: «Bem--aventurados os obreiros da paz,
porque serão chamados filhos de Deus» (Mt 5, 9).
A bem-aventurança
evangélica
2. As bem-aventuranças proclamadas por Jesus (cf. Mt 5, 3-12;
Lc 6, 20-23) são promessas. Com efeito, na tradição bíblica, a bem-aventurança é
um género literário que traz sempre consigo uma boa nova, ou seja um evangelho,
que culmina numa promessa. Assim, as bem-aventuranças não são meras
recomendações morais, cuja observância prevê no tempo devido – um tempo
localizado geralmente na outra vida – uma recompensa, ou seja, uma situação de
felicidade futura; mas consistem sobretudo no cumprimento duma promessa feita a
quantos se deixam guiar pelas exigências da verdade, da justiça e do amor.
Frequentemente, aos olhos do mundo, aqueles que confiam em Deus e nas suas
promessas aparecem como ingénuos ou fora da realidade; ao passo que Jesus lhes
declara que já nesta vida – e não só na outra – se darão conta de serem filhos
de Deus e que, desde o início e para sempre, Deus está totalmente solidário com
eles. Compreenderão que não se encontram sozinhos, porque Deus está do lado
daqueles que se comprometem com a verdade, a justiça e o amor. Jesus, revelação
do amor do Pai, não hesita em oferecer-Se a Si mesmo em sacrifício. Quando se
acolhe Jesus Cristo, Homem-Deus, vive-se a jubilosa experiência de um dom
imenso: a participação na própria vida de Deus, isto é, a vida da graça, penhor
duma vida plenamente feliz. De modo particular, Jesus Cristo dá-nos a paz
verdadeira, que nasce do encontro confiante do homem com Deus.
A
bem-aventurança de Jesus diz que a paz é, simultaneamente, dom messiânico e obra
humana. Na verdade, a paz pressupõe um humanismo aberto à transcendência; é
fruto do dom recíproco, de um mútuo enriquecimento, graças ao dom que provém de
Deus e nos permite viver com os outros e para os outros. A ética da paz é uma
ética de comunhão e partilha. Por isso, é indispensável que as várias culturas
de hoje superem antropologias e éticas fundadas sobre motivos teorico-práticos
meramente subjectivistas e pragmáticos, em virtude dos quais as relações da
convivência se inspiram em critérios de po6
der ou de lucro, os meios
tornam-se fins, e vice--versa, a cultura e a educação concentram-se apenas nos
instrumentos, na técnica e na eficiência. Condição preliminar para a paz é o
desmantelamento da ditadura do relativismo e da apologia duma moral totalmente
autónoma, que impede o reconhecimento de quão imprescindível seja a lei moral
natural inscrita por Deus na consciência de cada homem. A paz é construção em
termos racionais e morais da convivência, fundando-a sobre um alicerce cuja
medida não é criada pelo homem, mas por Deus. Como lembra o Salmo 29, « o Senhor
dá força ao seu povo; o Senhor abençoará o seu povo com a paz » (v.
11).
A paz: dom de Deus e obra do homem
3. A paz envolve o ser
humano na sua integridade e supõe o empenhamento da pessoa inteira: é paz com
Deus, vivendo conforme à sua vontade; é paz interior consigo mesmo, e paz
exterior com o próximo e com toda a criação. Como escreveu o Beato João XXIII na
Encíclica Pacem in terris – cujo cinquentenário terá lugar dentro de poucos
meses –, a paz implica principalmente a construção duma convivência humana
baseada na verdade, na liberdade, no amor e na justiça.A negação daquilo que
constitui a verdadeira natureza do ser humano, nas suas dimensões essenciais, na
sua capacidade intrínseca de conhecer a verdade e o bem e, em última análise, o
próprio Deus, põe em perigo a construção da paz. Sem a verdade sobre o homem,
inscrita pelo Criador no seu coração, a liberdade e o amor depreciam-se, a
justiça perde a base para o seu exercício.
Para nos tornarmos autênticos
obreiros da paz, são fundamentais a atenção à dimensão transcendente e o diálogo
constante com Deus, Pai misericordioso, pelo qual se implora a redenção que nos
foi conquistada pelo seu Filho Unigénito. Assim o homem pode vencer aquele germe
de obscurecimento e negação da paz que é o pecado em todas as suas formas:
egoísmo e violência, avidez e desejo de poder e domínio, intolerância, ódio e
estruturas injustas.
A realização da paz depende sobretudo do reconhecimento
de que somos, em Deus, uma única família humana. Esta, como ensina a Encíclica
Pacem in terris, está estruturada mediante relações interpessoais e instituições
sustentadas e animadas por um «nós» comunitário, que implica uma ordem moral,
interna e externa, na qual se reconheçam sinceramente, com verdade e justiça, os
próprios direitos e os próprios deveres para com os demais. A paz é uma ordem de
tal modo vivificada e integrada pelo amor, que se sentem como próprias as
necessidades e exigências alheias, que se fazem os outros comparticipantes dos
próprios bens e que se estende sempre mais no mundo a comunhão dos valores
espirituais. É uma ordem realizada na liberdade, isto é, segundo o modo que
corresponde à dignidade de pessoas que, por
sua própria natureza racional,
assumem a responsabilidade do próprio agir.
A paz não é um sonho, nem uma
utopia; a paz é possível. Os nossos olhos devem ver em profundidade, sob a
superfície das aparências e dos fenómenos, para vislumbrar uma realidade
positiva que existe nos corações, pois cada homem é criado à imagem de Deus e
chamado a crescer contribuindo para a edificação dum mundo novo. Na realidade,
através da encarnação do Filho e da redenção por Ele operada, o próprio Deus
entrou na história e fez surgir uma nova criação e uma nova aliança entre Deus e
o homem (cf. Jr 31, 31-34), oferecendo-nos a possibilidade de ter « um coração
novo e um espírito novo » (cf. Ez 36, 26).
Por isso mesmo, a Igreja está
convencida de que urge um novo anúncio de Jesus Cristo, primeiro e principal
factor do desenvolvimento integral dos povos e também da paz. Na realidade,
Jesus é a nossa paz, a nossa justiça, a nossa reconciliação (cf. Ef 2, 14; 2 Cor
5, 18). O obreiro da paz, segundo a bem--aventurança de Jesus, é aquele que
procura o bem do outro, o bem pleno da alma e do corpo, no tempo presente e na
eternidade.
A partir deste ensinamento, pode-se deduzir que cada pessoa e
cada comunidade – religiosa, civil, educativa e cultural – é chamada a trabalhar
pela paz. Esta consiste, principalmente, na realização do bem comum das várias
sociedades, primárias e intermédias, nacionais, internacionais e a mundial. Por
isso mesmo, pode-se supor que os caminhos para a implementação do bem comum
sejam também os caminhos que temos de seguir para se obter a
paz.
Obreiros da paz são aqueles que amam,defendem e promovem a vida
na sua integridade
4. Caminho para a consecução do bem comum e da paz é,
antes de mais nada, o respeito pela vida humana, considerada na multiplicidade
dos seus aspectos, a começar da concepção, passando pelo seu desenvolvimento até
ao fim natural. Assim, os verdadeiros obreiros da paz são aqueles que amam,
defendem e promovem a vida humana em todas as suas dimensões: pessoal,
comunitária e transcendente. A vida em plenitude é o ápice da paz. Quem deseja a
paz não pode tolerar atentados e crimes contra a vida.
Aqueles que não
apreciam suficientemente o valor da vida humana, chegando a defender, por
exemplo, a liberalização do aborto, talvez não se dêem conta de que assim estão
a propor a prossecução duma paz ilusória. A fuga das responsabilidades, que
deprecia a pessoa humana, e mais ainda o assassinato de um ser humano indefeso e
inocente nunca poderão gerar felicidade nem a paz. Na verdade, como se pode
pensar em realizar a paz, o desenvolvimento integral dos povos ou a própria
salvaguarda do ambiente, sem estar tutelado o direito à vida dos mais frágeis, a
começar pelos nascituros? Qualquer lesão à vida, de modo especial na sua origem,
provoca inevitavelmente danos irreparáveis ao desenvolvimento, à paz, ao
ambiente. Tão pouco é justo codificar ardilosamente falsos direitos ou opções
que, baseados numa visão redutiva e relativista do ser humano e com o hábil
recurso a expressões ambíguas tendentes a favorecer um suposto direito ao aborto
e à eutanásia, ameaçam o direito fundamental à vida.
Também a estrutura
natural do matrimónio, como união entre um homem e uma mulher, deve ser
reconhecida e promovida contra as tentativas de a tornar, juridicamente,
equivalente a formas radicalmente diversas de união que, na realidade, a
prejudicam e contribuem para a sua desestabilização, obscurecendo o seu carácter
peculiar e a sua insubstituível função social.
Estes princípios não são
verdades de fé, nem uma mera derivação do direito à liberdade religiosa; mas
estão inscritos na própria natureza humana – sendo reconhecíveis pela razão – e
consequentemente comuns a toda a humanidade. Por conseguinte, a acção da Igreja
para os promover não tem carácter confessional, mas dirige-se a todas as
pessoas, independentemente da sua filiação religiosa. Tal acção é ainda mais
necessária quando estes princípios são negados ou mal entendidos, porque isso
constitui uma ofensa contra a verdade da pessoa humana, uma ferida grave
infligida à justiça e à paz.
Por isso, uma importante colaboração para a paz
é dada também pelos ordenamentos jurídicos e a administração da justiça quando
reconhecem o direito ao uso do princípio da objecção de consciência face a leis
e medidas governamentais que atentem contra a dignidade humana, como o aborto e
a eutanásia.
Entre os direitos humanos basilares mesmo para a vida pacífica
dos povos, conta-se o direito dos indivíduos e comunidades à liberdade
religiosa. Neste momento histórico, torna-se cada vez mais importante que este
direito seja promovido não só negativamente, como liberdade de – por exemplo, de
obrigações e coacções quanto à liberdade de escolher a própria religião –, mas
também positivamente, nas suas várias articulações, como liberdade para: por
exemplo, para testemunhar a própria religião, anunciar e comunicar a sua
doutrina; para realizar actividades educativas, de beneficência e de assistência
que permitem aplicar os preceitos religiosos; para existir e actuar como
organismos sociais, estruturados de acordo com os princípios doutrinais e as
finalidades institucionais que lhe são próprias. Infelizmente vão-se
multiplicando, mesmo em países de antiga tradição cristã, os episódios de
intolerância religiosa, especialmente contra o cristianismo e aqueles que se
limitam a usar os sinais identificadores da própria religião.
O obreiro da
paz deve ter presente também que as ideologias do liberalismo radical e da
tecnocracia insinuam, numa percentagem cada vez maior da opinião pública, a
convicção de que o crescimento económico se deve conseguir mesmo à custa da
erosão da função social do Estado e das redes de solidariedade da sociedade
civil, bem como dos direitos e deveres sociais. Ora, há que considerar que estes
direitos e deveres são fundamentais para a plena realização de outros, a começar
pelos direitos civis e políticos.
E, entre os direitos e deveres sociais
actualmente mais ameaçados, conta-se o direito ao trabalho. Isto é devido ao
facto, que se verifica cada vez mais, de o trabalho e o justo reconhecimento do
estatuto jurídico dos trabalhadores não serem adequadamente valorizados, porque
o crescimento económico dependeria sobretudo da liberdade total dos mercados.
Assim o trabalho é considerado uma variável dependente dos mecanismos económicos
e financeiros. A propósito disto, volto a afirmar que não só a dignidade do
homem mas também razões económicas, sociais e políticas exigem que se continue «
a perseguir como prioritário o objectivo do acesso ao trabalho para todos, ou da
sua manutenção ».4 Para se realizar este ambicioso objectivo, é condição
preliminar uma renovada apreciação do trabalho, fundada em princípios éticos e
valores espirituais, que revigore a sua concepção como bem fundamental para a
pessoa, a família, a sociedade. A um tal bem corresponde um dever e um direito,
que exigem novas e ousadas políticas de trabalho para todos.
Construir
o bem da paz através de um novo modelo de desenvolvimento e de
economia
5. De vários lados se reconhece que, hoje, é necessário um novo
modelo de desenvolvimento e também uma nova visão da economia. Quer um
desenvolvimento integral, solidário e sustentável, quer o bem comum exigem uma
justa escala de bens-valores, que é possível estruturar tendo Deus como
referência suprema. Não basta ter à nossa disposição muitos meios e muitas
oportunidades de escolha, mesmo apreciáveis; é que tanto os inúmeros bens em
função do desenvolvimento como as oportunidades de escolha devem ser empregues
de acordo com a perspectiva duma vida boa, duma conduta recta, que reconheça o
primado da dimensão espiritual e o apelo à realização do bem comum. Caso
contrário, perdem a sua justa valência, acabando por erguer novos
ídolos.
Para sair da crise financeira e económica actual, que provoca um
aumento das desigualdades, são necessárias pessoas, grupos, instituições que
promovam a vida, favorecendo a criatividade humana para fazer da própria crise
uma ocasião de discernimento e de um novo modelo económico. O modelo que
prevaleceu nas últimas décadas apostava na busca da maximização do lucro e do
consumo, numa óptica individualista e egoísta que pretendia avaliar as pessoas
apenas pela sua capacidade de dar resposta às exigências da competitividade.
Olhando de outra perspectiva, porém, o sucesso verdadeiro e duradouro pode ser
obtido com a dádiva de si mesmo, dos seus dotes intelectuais, da própria
capacidade de iniciativa, já que o desenvolvimento económico suportável, isto é,
autenticamente humano tem necessidade do princípio da gratuidade como expressão
de fraternidade e da lógica do dom. Concretamente na actividade económica, o
obreiro da paz aparece como aquele que cria relações de lealdade e reciprocidade
com os colaboradores e os colegas, com os clientes e os usuários. Ele exerce a
actividade económica para o bem comum, vive o seu compromisso como algo que
ultrapassa o interesse próprio, beneficiando as gerações presentes e futuras.
Deste modo sente-se a trabalhar não só para si mesmo, mas também para dar aos
outros um futuro e um trabalho dignos.
No âmbito económico, são necessárias –
especialmente por parte dos Estados – políticas de desenvolvimento industrial e
agrícola que tenham a peito o progresso social e a universalização de um Estado
de direito e democrático. Fundamental e imprescindível é também a estruturação
ética dos mercados monetário, financeiro e comercial; devem ser estabilizados e
melhor coordenados e controlados, de modo que não causem dano aos mais pobres. A
solicitude dos diversos obreiros da paz deve ainda concentrar-se – com mais
determinação do que tem sido feito até agora – na consideração da crise
alimentar, muito mais grave do que a financeira. O tema da segurança das
provisões alimentares voltou a ser central na agenda política internacional, por
causa de crises relacionadas, para além do mais, com as bruscas oscilações do
preço das matérias--primas agrícolas, com comportamentos irresponsáveis por
parte de certos agentes económicos e com um controle insuficiente por parte dos
Governos e da comunidade internacional. Para enfrentar semelhante crise, os
obreiros da paz são chamados a trabalhar juntos em espírito de solidariedade,
desde o nível local até ao internacional, com o objectivo de colocar os
agricultores, especialmente nas pequenas realidades rurais, em condições de
poderem realizar a sua actividade de modo digno e sustentável dos pontos de
vista social, ambiental e económico.
Educação para uma cultura da
paz:o papel da família e das instituições
6. Desejo veementemente
reafirmar que os diversos obreiros da paz são chamados a cultivar a paixão pelo
bem comum da família e pela justiça social, bem como o empenho por uma válida
educação social.
Ninguém pode ignorar ou subestimar o papel decisivo da
família, célula básica da sociedade, dos pontos de vista demográfico, ético,
pedagógico, económico e político. Ela possui uma vocação natural para promover a
vida: acompanha as pessoas no seu crescimento e estimula-as a enriquecerem-se
entre si através do cuidado recíproco. De modo especial, a família cristã guarda
em si o primordial projecto da educação das pessoas segundo a medida do amor
divino. A família é um dos sujeitos sociais indispensáveis para a realização
duma cultura da paz. É preciso tutelar o direito dos pais e o seu papel primário
na educação dos filhos, nomeadamente nos âmbitos moral e religioso. Na família,
nascem e crescem os obreiros da paz, os futuros promotores duma cultura da vida
e do amor.
Nesta tarefa imensa de educar para a paz, estão envolvidas de modo
particular as comunidades dos crentes. A Igreja toma parte nesta grande
responsabilidade através da nova evangelização, que tem como pontos de apoio a
conversão à verdade e ao amor de Cristo e, consequentemente, o renascimento
espiritual e moral das pessoas e das sociedades. O encontro com Jesus Cristo
plasma os obreiros da paz, comprometendo-os na comunhão e na superação da
injustiça.
Uma missão especial em prol da paz é desempenhada pelas
instituições culturais, escolásticas e universitárias. Delas se requer uma
notável contribuição não só para a formação de novas gerações de líderes, mas
também para a renovação das instituições públicas, nacionais e internacionais.
Podem também contribuir para uma reflexão científica que radique as actividades
económicas e financeiras numa sólida base antropológica e ética. O mundo actual,
particularmente o mundo da política, necessita do apoio dum novo pensamento,
duma nova síntese cultural, para superar tecnicismos e harmonizar as várias
tendências políticas em ordem ao bem comum. Este, visto como conjunto de
relações interpessoais e instituições positivas ao serviço do crescimento
integral dos indivíduos e dos grupos, está na base de toda a verdadeira educação
para a paz.
Uma pedagogia do obreiro da paz
7. Concluindo, há
necessidade de propor e promover uma pedagogia da paz. Esta requer uma vida
interior rica, referências morais claras e válidas, atitudes e estilos de vida
adequados. Com efeito, as obras de paz concorrem para realizar o bem comum e
criam o interesse pela paz, educando para ela. Pensamentos, palavras e gestos de
paz criam uma mentalidade e uma cultura da paz, uma atmosfera de respeito,
honestidade e cordialidade. Por isso, é necessário ensinar os homens a amarem-se
e educarem-se para a paz, a viverem mais de benevolência que de mera tolerância.
Incentivo fundamental será « dizer não à vingança, reconhecer os próprios erros,
aceitar as desculpas sem as buscar e, finalmente, perdoar »,7 de modo que os
erros e as ofensas possam ser verdadeiramente reconhecidos a fim de caminhar
juntos para a reconciliação. Isto requer a difusão duma pedagogia do perdão. Na
realidade, o mal vence-se com o bem, e a justiça deve ser procurada imitando a
Deus Pai que ama todos os seus filhos (cf. Mt 5, 21-48). É um trabalho lento,
porque supõe uma evolução espiritual, uma educação para os valores mais altos,
uma visão nova da história humana. É preciso renunciar à paz falsa, que prometem
os ídolos deste mundo, e aos perigos que a acompanham; refiro-me à paz que torna
as consciências cada vez mais insensíveis, que leva a fechar-se em si mesmo, a
uma existência atrofiada vivida na indiferença. Ao contrário, a pedagogia da paz
implica serviço, compaixão, solidariedade, coragem e perseverança.
Jesus
encarna o conjunto destas atitudes na sua vida até ao dom total de Si mesmo, até
«perder a vida» (cf. Mt 10, 39; Lc 17, 33; Jo 12, 25). E promete aos seus
discípulos que chegarão, mais cedo ou mais tarde, a fazer a descoberta
extraordinária de que falamos no início: no mundo, está presente Deus, o Deus de
Jesus Cristo, plenamente solidário com os homens. Neste contexto, apraz-me
lembrar a oração com que se pede a Deus para fazer de nós instrumentos da sua
paz, a fim de levar o seu amor onde há ódio, o seu perdão onde há ofensa, a
verdadeira fé onde há dúvida. Por nossa vez pedimos a Deus, juntamente com o
Beato João XXIII, que ilumine os responsáveis dos povos para que, junto com a
solicitude pelo justo bem-estar dos próprios concidadãos, garantam e defendam o
dom precioso da paz; inflame a vontade de todos para superarem as barreiras que
dividem, reforçarem os vínculos da caridade mútua, compreenderem os outros e
perdoarem aos que lhes tiverem feito injúrias, de tal modo que, em virtude da
sua acção, todos os povos da terra se tornem irmãos e floresça neles e reine
para sempre a tão suspirada paz.
Com esta invocação, faço votos de que todos
possam ser autênticos obreiros e construtores da paz, para que a cidade do homem
cresça em concórdia fraterna, na prosperidade e na paz.
Vaticano, 8 de
dezembro de 2012. Fonte: Site da Rádio
Vaticano